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Thereza Inês, continuas a mesma....

  • Writer: Julia Chaves
    Julia Chaves
  • Jan 5, 2020
  • 3 min read

Esse ano minha avó completaria 90 anos. Dona Thereza Inês (ninguém a chamava assim, mas por algum motivo eu adorava o fato dela ter nome composto) curtiu treze anos ao lado das netas, permanecendo até o fim da vida no estereótipo da avó clássica. Morando a três prédios dela, estava a três prédios do paraíso açucarado da sua geladeira, sempre munida com pavê, pudim de leite e Coca-Cola. O jantar sempre tinha batata frita, invariavelmente. Qualquer dia da semana podia virar uma ocasião para me dar um presente. Sua mania de passar Mertiolate em qualquer pontinho vermelho que via em minha pele me assombra até hoje (para quem não sabe, Mertiolate ardia na alma naquela época). E se na minha casa eu tinha que estar na cama de olho fechado assim que a novela das 20h acabasse, na casa de Dona Thereza eu só precisava estar deitada com ela ao meu lado e a TV na nossa frente, ligada no canal que eu quisesse até a hora que eu quisesse. Dormir na casa dela durante as férias era sempre um evento. Uma das melhores lembranças que tenho é dela me chamando de manhã cedo para dormir na cama dela depois que o meu avô saía para trabalhar e, quando acordava algumas horas depois, já tinha uma bandeja de café esperando por mim. Ai, que vida dura!


Recentemente, meu pai me contou sobre um tal de Coronel Limoeiro, um personagem do Chico Anysio muito das antigas que ele costumava assistir quando criança nos anos 1960. A figura era um coronel riquíssimo, que nos esquetes do Chico Anysio Show sempre aparecia com sua esposa Maria Tereza, sempre interpretada por atrizes muito bonitas e muito mais novas que Chico. O humor datado e machista de mais de cinquenta anos atrás consistia no ciúme que Limoeiro sentia de sua amada, que, em todo esquete arrastava asa para outros homens, mas continuava casada com o velhinho endinheirado. E, ao final de cada cena, Limoeiro exclamava o bordão: “Maria Tereza, continuas a mesma…” Meu pai é fã assumido de muitas das centenas de personagens de Chico, mas nessa ocasião me confessou, emocionado, seu apreço por esse em particular. Tudo porque tem muito claro em sua memória a imagem de meu avô imitando os trejeitos do Coronel Limoeiro e brincando com o fato de minha avó se chamar Thereza, ser uma mulher linda e onze anos mais nova que ele. Segundo meu pai, minha avó quando jovem gostava de falar mais do que de qualquer coisa, e ele diz se lembrar perfeitamente de quando, depois de ela deixar meu avô sem graça com alguma história, ele virar e proferir com o sotaque do Limoeiro: “Maria Tereza, continuas a mesma...”


Fiquei com essa história na cabeça porque, depois de ouvir muito sobre a vida da minha avó, comecei a pensar nela como uma personagem. E a cada história que escutava sentia que conhecia um pouco mais da Thereza mulher, nunca esquecendo da Thereza avó que só eu e minha irmã conhecemos verdadeiramente, mas me aproximando mais da Thereza que não tive o prazer de conhecer. A trajetória de sua vida agitada não vai caber aqui, mas todos os relatos do meu pai sobre a primeira mulher da vida dele me fazem imaginar uma moça alta, de cabelos curtos, que passava boa parte da manhã no espelho se preparando para mais um dia de guerra na Câmara dos Deputados. Admiro demais suas virtudes de trabalhadora independente, mas a personagem que imagino não é a Helena de Manoel Carlos nem a Maria do Carmo de Senhora do Destino. Hoje em dia, sei que a maternidade não era lá o forte da minha avó, faltava a virtude da paciência e da responsabilidade no que diz respeito a brincar e deixar faltar aula descontroladamente. E as empregadas dela, coitadas, tenho total consciência de que pagaram alguns pecados tendo que lidar com as manias e não me toques da madame idosa. Não posso evitar de criar na minha cabeça uma mãe bonita e batalhadora como Erin Brockovich, mas penso numa heroína imperfeita, com um humor desbocado como o dela, sempre reclamando de alguma coisa, que tem o hábito de se vangloriar por fazer um Nescafé delicioso, mas que foge da cozinha como o diabo foge da cruz, como um poder de cativar amigos e não dar a mínima para o que os outros pensam. Essa é a minha avó.


Às vezes, me imagino chegando no céu e dando de cara com ela. Me imagino chorando, culpada e me desculpando com ela por não ter aproveitado direito o tempo que tivemos juntas em vida. Aí, ela logo viraria para mim indignada: “Julia, para com essa merda de se sentir culpada, minha filha!” Eu soltaria uma gargalhada e mandaria: “Thereza Inês, continuas a mesma...”

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