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Calda de Chocolate

  • Writer: Julia Chaves
    Julia Chaves
  • May 16, 2019
  • 2 min read

Não faz muito tempo que, durante uma conversa sobre relacionamentos e personalidade, um amigo de longa data disparou sobre mim a seguinte constatação: “Julia, você é como calda de chocolate, demais enjoa”


O sorriso torto obrigado a se formar em meus lábios representava toda a minha esperança em encerrar o assunto. A metáfora, falsamente protegida da conotação de ofensa pelo tom de brincadeira usado por seu interlocutor, não foi embora após marcar sua presença no show de argumentos. Muito pelo contrário, gostou do ambiente e encontrou um alojamento seguro e confortável na área do meu cérebro responsável pela auto-estima.


Mas calma lá, não culpo meu amigo pelo ocorrido. Tenho certeza que sua intenção era me fazer rir com sua (literalmente) doce piada. No entanto, fiquei um tempo elucubrando o que o fez chegar a tal conclusão. Ele não foi o primeiro a me falar que sou uma pessoa intensa. Faço jus ao meu sol do zodíaco e levo os sentimentos a algumas potências a mais nas equações da vida. Quando descubro que amo algo ou alguém, imediatamente escuto soprar o sussurro das escorpianas em meu ouvido: “pode amar, garota, mas ame com todas as suas forças”. Isso vale para tudo, familiares, amigos, açaí, filmes, paixões, brigadeiro, hambúrguer, e outras ramificações. Agora, se for para odiar, não queira nem ouvir falar. Isso também vale para tudo, espinafre, beterraba, química, Bolsonaro e professores que marcam aula de reposição para sábado de manhã. De forma alguma faço parte do grupo de apaixonados que se dirigem a seus amores como “cuti cuti” entoando uma voz puxada num agudo esquisito que mais parece um bebê balbuciando as primeiras sílabas. Mas sim, sou chegada num beijo de boa noite. E por que não um outro beijo de bom dia? Meus amigos mais próximos sabem que dizer “eu te amo” no final de cada encontro nunca foi vergonha para mim, mesmo que o encontro se repita no dia seguinte, pois então o “eu te amo” de amanhã será ainda mais forte, pois terá mais um dia de amor acumulado. Talvez essa minha intensidade seja de fato enjoativa.


Passado o choque inicial, deixei a elucubração de lado por um momento e parei para analisar a semântica da comparação: “você é como calda de chocolate”. Ele poderia ter me comparado ao sal do shoyu, ao forte queijo gorgonzola excessivamente despejado no molho branco, mas escolheu calda de chocolate. Tentei pensar no brownie com sorvete do Café da Livraria Argumento sem a calda quente escorrendo pelo prato. Depois de muitas tentativas, falhei em conceber a ideia dessa ausência irreparável. Imaginei um bolo de cenoura bem fofinho em sua existência sem a clássica cobertura de chocolate por cima. Mais uma vez fui infeliz, os dois foram muito feitos um para o outro. E essa era eu: a calda de chocolate, essencial e complementar para tantas situações deliciosas.


Logo engoli a indignação e não pude evitar um risinho tímido. É inegável que tudo, absolutamente tudo em excesso enjoa. Mas se eu enjoo como calda de chocolate é porque deve haver algo de doce dentro de mim. E tem mais: eu desafio você, leitor, a encontrar alguém que não goste pelo menos um pouquinho de calda de chocolate.


Obrigada, amigo!

1 commentaire


eduraupp
17 mai 2019

Talvez seu amigo prefira pão-de-ló simples! Eu prefiro bolos com bastante calda de chocolate a là Julia! Ou seja, os beijos apertados, as declarações de amor a cada encontro! Pois eu sou às vezes um café amargo que precisa desta cobertura de carinho! Beijos

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