Complexo de Lisbela
- Julia Chaves
- May 16, 2019
- 3 min read

Querida Lisbela,
Te escrevo mais por mera curiosidade de saber como você está, de saber o que aconteceu depois que você e Leléu fugiram juntos e caíram no mundo. Escrevo porque minhas esperanças de uma sequência para “Lisbela e o Prisioneiro” estão se desvaindo, e porque a secretária do Guel Arraes já não atende mais as minhas ligações, e ele já esgotou a paciência com fãs obsessivos que sentem sua falta. Tô com medo de me tacarem tomate se eu aparecer mais uma vez no escritório dele, então, acho que vai ter que ser você mesma a me atualizar. Que novos filmes você tem assistido? Você e Leléu mudaram de nome? Leléu ainda faz os shows pelas cidades? Desculpa o interrogatório...mas são 16 anos sem notícias, né, Lisbela?
Lembro direitinho de quando te conheci. Você estava muito distraída, como sempre, então acho que não prestou muita atenção em mim. Já eu, não prestava atenção em mais nada além de você. Lá estava eu, aos nove anos de idade, na maior sala de cinema do Botafogo Praia Shopping. Nos conhecemos num cinema, Lisbela! Que ironia do destino, não? Lembro que meu pai e minha vó fizeram tanta propaganda sua, que eu confesso que até fiquei com um pouco de preguiça antes das luzes se apagarem. Mas você soube como me conquistar. O romantismo e a pureza de suas palavras me cativaram como o canto da sereia para marinheiros solitários. Já na primeira cena, você falava do cinema com uma paixão tão intensa, que eu me identifiquei de imediato. Achei sua descrição de o que é assistir um filme tão clara e poética, que passei a usá-la no dia-a-dia. Tanto que, toda vez que alguém, sem querer, soltava um “spoiler” de um filme pra mim, eu mandava na lata: “a graça não é saber o que acontece, é saber como acontece e quando acontece”. Não falava com o seu fofo sotaque nordestino nem com toda a graciosidade que fisgou Leléu mas, pelo menos momentaneamente, me sentia tão apaixonada quanto você.
Passamos a nos encontrar frequentemente desde aquela tarde de domingo em Botafogo. Os encontros passaram a ser na minha casa, já que meu pai se recusava a me levar novamente ao cinema para te ver. Não fica triste com ele não, Lisbela. Acho que ele só sentia ciúme da nossa sintonia e não entendia porque eu me encantava mais com seus ensinamentos de cinema do que com os dele, que vinham todos de muito tempo de estudo e experiência. Ele era brilhante, mas o seu espirito aventureiro e suas lições de amor eram mais atraentes para uma menina de nove anos que ainda acreditava piamente em príncipe encantado. E eu me maravilhava cada vez mais por você, mesmo você sendo um tanto repetitiva, sempre usando exatamente as mesmas palavras e me passando sempre os mesmos ensinamentos. Mas não me importava, cada momento era único e surpreendente à sua própria maneira. E eu sabia que toda vez que algum “crush” mirim virasse os olhos pra mim ou preferisse fazer o dever de casa com outra menina, eu podia correr pra você, que não ficaria decepcionada.
Mas Lisbela, aconteceu algo inevitável: eu cresci. Cresci numa velocidade cruel, que eu mesma não consigo explicar. Porém, eu posso te afirmar que o tempo foi infeliz na tentativa de me distanciar de você. Mesmo com sua natureza traiçoeira, ele foi incapaz de quebrar esse laço afetivo que criamos juntas. Você esteve presente na minha adolescência e se faz presente volta e meia na minha idade adulta. Claro que algumas coisas mudaram na nossa relação. Nossos encontros ficaram mais raros, já que a vida me ensinou a procurar segundas opiniões à respeito de amor e do cinema. Ainda acredito em príncipe encantado, mas de uma jeito diferente, sem aquela áurea fantasiosa que pairava sobre mim toda vez que via você e Leléu se beijarem. Às vezes eu me pego pensando se, depois de tanto te ouvir falar, eu tenha ficado um pouco parecida com você. Talvez meu gosto por abrir longas discussões a respeito das motivações dos personagens de filmes tenha vindo de você. Talvez minha tendência a me distrair tão facilmente também seja fruto de nossa convivência. Mas uma coisa é certa, Lisbela: você e Leléu representaram meu primeiro contato com um amor bem humorado, genuíno, livre de preconceitos ou terceiras intenções. E eu só tenho a te agradecer por isso.
No mais, vê se dá sinal de vida e esclarece minhas dúvidas. Ainda espero te ver de novo no cinema, agora mais velha e talvez cheia de pequenas Lisbelinhas e Leléuzinhos, ou quem sabe uma grande estrela de cinema que viaja pelo Brasil com seus filmes. Mas, até lá, seria bom saber um pouquinho mais do resto da sua história.
P.S: não se preocupe com a longevidade da nossa relação, você é incrível demais para ser esquecida.
Com amor,
Julia
留言